quarta-feira, 12 de agosto de 2009

.Encontro com Vinicius de MoraeS.

No caminho para casa passei calmo pela Lapa, em meio tanta gente vestida de carnaval e, sequer era fevereiro. Era, na verdade, um agosto frio e úmido. Fechei o casaco enquanto observava as putas da Lapa, os jovens boêmios e logo lembrei de Vinicius de Moraes. Uma antiga nostalgia boiou no mar de minas lágrimas e sempre que lembro, sinto um terrível desgosto. Quando o poetinha deixou esse mundão azul, eu sequer havia nascido e mesmo assim, sinto tremenda saudade, uma vontade irracional de ter existido exatamente naquele tempo em que a Bossa Nova nascia no coração do Rio de Janeiro, uma fome, uma sede, uma vontade de ter andado entre aqueles velhos poetas vagabundos e eruditos.
Já em casa, depois de um banho e com os pensamentos ainda em Vinicius, entrei no quarto e, estranhamente, senti um leve cheiro de uísque. Quem me dera eu tivesse uma garrafa de uísque aqui agora - pensei coçando a cabeça - meio confuso por conta daquele cheiro. Procurei um pouco a fonte, mas estava cansado demais para essa doidice de procurar o que não encontraria, de certo. Não conseguia pensar em mais nada, relaxei o corpo ao som de um rock qualquer. Senti o corpo meio estranho, como se estivesse bêbado, e fiquei na dúvida se ainda estava acordado, senti como se estive bem dentro de um quadro surreal de Dali. Não estava - pensei - apenas continuei relaxado. Era como se meu corpo estivesse flutuando e em meio essa loucura ouvia uma voz um pouco rouca e cansada, que girava girava em minha mente e o ruído ficava cada vez mais alto e aquele cheiro de uísque cada vez mais forte. Abri os olhos, meio atordoado e me vi em plena Rua Nascimento Silva, 107. Cento e sete! Que diabos estou fazendo no antigo endereço de Tom Jobim? - Pensei totalmente alucinado e de repente a minha frente, num banquinho de madeira, estava o poeta e diplomata Vinicius de Moraes, com um copinho cheio de seu cachorro engarrafado e mais uma garrafa do lado, claro, um sorriso no rosto e a mão estendida para amizade.
Meu pranto rolou e ele bateu a mãozinha no banco com um sorriso bobo na cara e pediu para que me sentasse também. Sentei meio tímido, enquanto ele enchia um copinho para mim, fiz que não com a cabeça e disse que só estava podendo beber um leitinho aqui outro ali por conta de uma gastrite. Claro que falei com intenção, só para ouvir da boca do próprio Poetinha aquela sua famosa frase: Eu nunca que vi uma boa amizade nascer em leiteria. O uísque é o melhor amigo do homem, é o cachorro engarrafado. E foi exatamente o que ele disse, e isso soou como música, não era explicável a felicidade que meu corpo derramava, eu estava do lado do branco mais preto do Brasil, e ao pensar nisso fiquei assuntado, afinal, Vinicius estava morto e eu não sentia nem um pouco como um sonho, segurei um pouco a ansiedade e perguntei – Como é possível? Ele disse que morre ontem e nasce amanhã, deu um gole de leve na bebida com um mesmo sorrisinho sacana. Senti-me tão à vontade e tantas perguntas me sobrevoavam a cabeça. Então você sabe que tem uma rua com seu nome, amigo? Ainda com aquele sorriso malicioso soltou que era claro que ele sabia e que sempre que podia, vinha olhar as novas garotas de Ipanema.
Enquanto assistíamos a noite dormir em silêncio, ele me disse com uma voz chorosa que o amor dói, mas existe, que é melhor crer do que ser cético. Passou a mão em meu rosto como quem consolava um amigo e disse que admirava minha capacidade amar em silêncio. Sorri e meio confuso perguntei como ele sabia dos traumas que eu carregava. Levantou-se e pediu que o acompanhasse. Bateu aquelas velhas mãos no meu ombro e comentou que poderia saber mais do que suspeitava que existia, mais do que qualquer um poderia desconfiar. Era incrível a capacidade que ele tinha de derramar toda aquela poesia em mim e, mesmo sem muitas palavras, me acalmar. Estávamos a caminho do arpoador e o dia parecia querer amanhecer. Comecei a pensar que estava sonhando e me bateu um desespero de acordar de repente. Tremendo, ainda com perguntas infinitas sobrevoando a cabeça, mas ainda sem jeito perguntei se ele foi feliz.

- Se a felicidade existe eu só sou feliz quando me queimo, e quando a pessoa se queima não é feliz. A própria felicidade é dolorosa.

Eu também já conhecia essa frase, mas ouvir da boca do próprio Poeta chegava a dar um frio na barriga, eu nunca a entendi muito bem. Mas confesso que doeu sem remédio. Eu estava caminhando ao lado de um sonho, talvez dentro de um sonho e simplesmente não sabia o que falar, o silêncio ao lado dele era o melhor entendimento, lembrei dele dizer que há pessoas com quem as palavras são desnecessárias.
Mesmo assim ele disse – Sabe, meu caro? Ninguém tem nada de bom sem sofrer. E essa eu sei que você também já conhece. Continuou, dizendo que ele sempre precisou do precipício da paixão e foi o que ele fez, viveu em busca de paixão, tanto que se casou nove vezes. Comentou que via a mesma necessidade em mim, e que estava com medo que eu perdesse tal capacidade de ternura e extremos de emoções. Acho que eu compreendia o que ele queria me dizer. Pediu para que eu deixasse o amor nascer e morrer em mim, que a vida só se dá pra quem se deu.
Sem perceber chegamos a minha casa, pediu educadamente três pedrinhas de gelo. Admitiu que os tempos de hoje o assustam e que, de repente, era melhor mesmo que já não estivesse aqui fisicamente. Preocupei-me com o “fisicamente”, será que eu estava morto e ainda não tinha me dado conta? Como quem lê pensamentos, respondeu que da morte apenas nascemos imensamente, mas que não, eu ainda não tinha nascido naquele outro mundo. Não sabia se ficava triste ou feliz, não entendia direito esse sonho torto, apenas não queria estar em outro lugar senão ali. Pensei em perguntar como é esse “não estar fisicamente”, se ele havia encontrado com Clarice, com Drummond e se chegou a conhecer Caio Fernando mas, mais uma vez como quem lê pensamentos, agradeceu pelo gelo e pela companhia, deu mais um daquele sorriso malicioso e disse que eu deveria deixar de ser curioso e voltar para o meu corpo, porque mais um dia estava acontecendo e que meu amor não podia esperar mais nem um minuto. Como um flash, lá estava eu na minha cama, confuso, cansado e ainda com sono. Sonho bom, pensei. Mas logo, em minha mão um bilhete em que dizia: Escreva com teu sangue e veras teu espírito. E não esqueça de me visitar mais vezes, amigo. PS: Cuide dessa gastrite.


- Não tem um dia em que não me lembre, nunca mais consegui encontra-lo. Mas esse cheiro de uísque que não sai do quarto...

4 comentários:

  1. Nem sei como achei esse blog, só sei que eu adorei o que eu li aqui!
    Bjus!
    Fran

    ResponderExcluir
  2. Amooor. o/ adorei o dsfecho. adorei... adorei... *-* ai vinícius XD

    ResponderExcluir
  3. meu deus.. magnifico.. incrivel como retrata o velho saravá rss..
    digamos q senti uma certa semelhança cmg, pq, acho q as vezes tbm sinto essa saudadeesss dele como se fôssemos veeelhos amigos, uma saudade estranha..enfim
    soh VC pra por isso em palavras, ou melhor, versos rs

    Parabens Ju..
    sempre surpreendendo ;)

    ResponderExcluir
  4. Gostei muito, não só está bem escrito, mas fico feliz por essa saudável nostalgia.
    Em meu texto também ressaltei isso, a diferença de um mundo com Vinícius. Todos sofremos sem o poetinha. Muito bom!
    Um abraço!

    ResponderExcluir